Exercício físico e imunidade: uma relação de equilíbrio
Acompanhe as discussões sobre como a moderação e a exaustão nos treinos podem influenciar no sistema imunológico.
A prática regular de atividade física é recomendada para atingir diversos objetivos ligados à saúde. E, ao promover a saúde como um todo, o exercício físico também pode estar relacionado com nossa capacidade de evitar e combater doenças.
Estudos evidenciam que pessoas que praticam atividade física regularmente têm menor incidência de infecções bacterianas e virais, além de outros indicadores de um sistema imunológico fortalecido. Porém, indicam que esse benefício está atrelado à prática moderada, enquanto a vigorosa e de alta intensidade pode estar associada com efeitos contrários ao “abrirem uma janela” de exposição ao reduzirem a atuação das células imunes.
Contudo, as discussões mais atuais apresentam pesquisas e visões que ampliam essa discussão. Confira neste texto o que dizem as pesquisas sobre a relação entre a prática de exercícios físicos e o sistema imunológico.
Como funciona nosso sistema imunológico
Como funciona nosso sistema imunológico
O sistema imunológico é uma barreira sofisticada e bastante adaptável. Pode gerar uma variedade enorme de células e moléculas capazes de reconhecer e eliminar uma grande quantidade de micro-organismos invasores. Ele é dividido em imunidade inata e imunidade adaptativa (ou adquirida).
A imunidade inata se caracteriza por responder aos estímulos de maneira não específica, atacando as ameaças assim que elas são detectadas pelo organismo, atuando como primeira linha de defesa. Ele é composto por neutrófilos, eosinófilos, basófilos, monócitos, proteínas de fase aguda, células natural killers e enzimas.
A segunda linha de defesa, chamada de imunidade adaptativa ou adquirida, é capaz de modular sua estratégia de acordo com as características de cada ameaça. É composta, principalmente, por linfócitos T e B e por imunoglobulinas. Essa imunidade tem a capacidade de criar memória, ou seja, consegue responder rápida e efetivamente a patógenos já expostos anteriormente e preveni-los de causar doenças.
Se você quer saber mais ou relembrar como o sistema imunológico funciona, vale a pena conferir o e-book “Combatendo a Inflamação”, feito pela Harvard Health Publishing e traduzido pelo Essentia Group. O capítulo “a biologia da resposta imune” explica detalhadamente os mecanismos de defesa do nosso corpo.
Benefícios do exercício físico para o sistema imunológico
Antes de aprofundarmos sobre a prática física e os efeitos no sistema imunológico, é importante retomar quando o exercício é considerado moderado ou vigoroso. As classificações consideram os batimentos cardíacos e o volume máximo de oxigênio utilizado pelo indivíduo durante o exercício.
Exercícios moderados x vigorosos
No Brasil, o Ministério da Saúde define que atividade física moderada é aquela que promove uma respiração mais rápida que o normal e aumenta moderadamente os batimentos cardíacos (entre 45 e 60% da frequência cardíaca máxima). Em uma escala de 0 a 10, a percepção de esforço é 5 ou 6. Para mensurar de forma prática, o indivíduo consegue conversar com dificuldade enquanto se movimenta.
Já a prática física vigorosa ocasiona uma respiração muito mais rápida do que a normal e os batimentos cardíacos aumentam consideravelmente (acima de 60% da frequência cardíaca máxima). Na escala, a percepção de esforço é 7 ou 8, e seguindo o exemplo, não é possível nem conversar enquanto o indivíduo se movimenta
Em um estudo, foi identificado que quando o exercício físico tem intensidade moderada, há um aumento permanente nas células do sistema imune durante e após o treino.
Como consequência, as pessoas que praticam exercícios físicos regulares e com moderação têm menor incidência de infecções bacterianas (como sinusite, conjuntivite e sífilis), virais (como gripe, sarampo e hepatite A), e de neoplasias, que podem dar origem a tumores.
Efeitos do excesso de exercício físico para o sistema imunológico
Segundo o estudo, a melhora geral nos indicadores do sistema imunológico, no entanto, pode encontrar uma limitação. Treinos vigorosos, que levam o atleta à exaustão todas as vezes, tendem a mostrar outros efeitos no sistema imunológico. Por mais que durante o exercício físico tenha sido identificado um aumento das células imunes, após a atividade foi percebida uma redução expressiva das mesmas.
O estudo mostra que esta diminuição pode deixar o organismo mais suscetível a vírus e bactérias por um período de até 72 horas. Além disso, outros dois fatores são apontados como possíveis causadores do enfraquecimento do sistema imunológico após o exercício extenuante:
Glutamina – com a alta na demanda de glutamina para recuperação dos músculos após o exercício, ela pode entrar em falta no organismo, que a usa também para fortalecer a barreira imunológica intestinal. Além disso, ela é o principal combustível para linfócitos, macrófagos e fibroblastos;
Cortisol – o hormônio do estresse, liberado em grandes quantidades durante as atividades físicas intensas, reduz a capacidade de proliferação e ação dos leucócitos.
Inflamação e o exercício físico
Em outra pesquisa que relacionou a resposta imune induzida pelo exercício físico com efeitos anti-inflamatórios, foi destacado que a atividade física aumenta o consumo energético e gera radicais livres e outras espécies reativas de oxigênio, o que ativa o sistema imunológico e tem efeitos positivos e negativos, a depender do tipo de exercício e de acordo com as respostas imunológicas que são ativadas.
Por um lado, a prática regular de exercícios moderados promove um status anti inflamatório e, a longo prazo, previne doenças crônicas. Isso se dá por diferentes mecanismos, como pelo aumento na produção de imunomoduladores, perda de gordura visceral e aumento de citocinas anti-inflamatórias produzidas pelo músculo esquelético.
Por outro lado, o exercício de alta intensidade se mostra capaz de promover um cenário pró-inflamatório. Após a prática vigorosa, há um decréscimo dos linfócitos, mostrando que pode haver uma diminuição da resposta imune, abrindo uma “janela” que deixa o corpo exposto a infecções.
Outro estudo reforçou que o exercício vigoroso parece causar dano oxidativo e resposta imunológica imediata. Além disso, a principal questão dessa condição seria o desequilíbrio entre os sistemas oxidativo e antioxidante do corpo.
Por mais que a capacidade antioxidante aumente consideravelmente trinta minutos após uma sessão de exercício de alta intensidade, os efeitos do exercício físico nas respostas imunológicas dependem de algumas variáveis, como o metabolismo, o estresse oxidativo e a expressão gênica, que sofrem alterações em resposta às adaptações estimuladas com a atividade física.
Vale lembrar que exercícios vigorosos e frequentes são práticas realizadas por um grupo de pessoas formado por atletas profissionais, de alto desempenho, que treinam exaustivamente e diariamente. Este recorte é importante para alertar que, o fato de uma pessoa se sentir cansada após o treino semanal na academia, por exemplo, não necessariamente a deixa exposta a essas situações.
A discussão sobre a “janela aberta” no sistema imunológico
Podemos perceber que os estudos citados evidenciam uma possível janela no sistema imunológico em um período após a atividade física rigorosa e frequente, mas é essencial pontuar que o assunto ainda está em discussão no meio acadêmico e científico, e que pode apresentar dois lados.
Um artigo destacou as duas visões sobre a função imunológica e infecções e/ou obstrução das vias aéreas. Enquanto há pesquisadores que destacam as evidências que convergem para apoiar o ponto de vista de que o exercício em um nível de alto desempenho pode afetar a função imunológica, outro grupo de cientistas acredita que doenças são multifatoriais, e não há como identificar o exercício físico como fator independente para o desenvolvimento de infecções causadas por uma diminuição da atividade do nosso sistema imunológico após o treino.
Esse segundo grupo destaca que fatores como dieta, idade, sexo, ambiente, ciclo circadiano, estresse e outras comorbidades podem alterar e influenciar no surgimento dessas infecções.
Também questionam alguns métodos utilizados pela literatura, como o exame salivar de imunoglobulina para medir a suscetibilidade à infecções (que pode ter interferência de fatores como estresse, higiene bucal, entre outros) e o uso de autorrelatos dos participantes como método de coleta para atestar as infecções, já que esses podem estar diante de um quadro alérgico, por exemplo, e não de uma infecção contraída.
Por fim, muitas evidências apontam para que a prática de atividade física vigorosa abre uma janela de maior suscetibilidade à infecções devido à redução de células imunológicas. Porém, não há consenso quanto a isso na literatura, visto que alguns mecanismos envolvidos ainda não estão totalmente esclarecidos pelos pesquisadores e mais estudos são necessários nessa área.
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