Como os sabores despertam emoções?

Sabores e emoções: uma ligação íntima

A relação entre sabores e emoções é estudada há décadas, e de diferentes maneiras. Pesquisadores buscam compreender as conexões existentes entre os sabores primários e as respostas emocionais que eles evocam, sejam elas sensações, expressões faciais ou respostas a nível sistêmico ou do sistema nervoso.

Além disso, os mecanismos envolvidos na influência das emoções na escolha alimentar e nos sabores percebidos pelos indivíduos também são investigados na literatura. Esses achados mostram o quão complexa é a percepção de sabor e a relação do ser humano com a alimentação.

Siga a leitura para entender melhor como os sabores despertam emoções e como as emoções podem influenciar na percepção dos sabores.

Como o corpo percebe os sabores

O paladar é responsável por avaliar o conteúdo nutritivo dos alimentos e prevenir a ingestão de substâncias tóxicas. Por exemplo, o gosto doce indica a presença de nutrientes que fornecem energia, enquanto o umami sinaliza a existência de aminoácidos, o salgado de equilíbrio eletrolítico e o azedo e o amargo alertam sobre a presença de substâncias potencialmente nocivas ou venenosas. Além disso, nos seres humanos, o paladar contribui com o prazer.

Definir sabor é algo complexo, especialmente do ponto de vista fisiológico. Ao comer, há estímulos simultâneos nos sistemas gustativo, olfativo e somatossensorial, ou seja, é consenso que o sabor é uma percepção multimodal.

Em adição, experiências anteriores, saciedade e fome também podem ter influência nesse sentido. Dessa forma, a combinação e a comparação entre as qualidades de sabor, juntamente com as informações dos sistemas sensoriais, convergem para orquestrar a percepção final do gosto no cérebro.

Língua e botões gustativos

Apesar de muitos sentidos estarem envolvidos na percepção do sabor, a língua exerce um papel fundamental nesse processo. Isso se deve ao fato de sua superfície ser repleta de relevos com diferentes formas e funções: as papilas linguais. Nelas, encontram-se órgãos microscópicos responsáveis pelo reconhecimento dos sabores – os botões gustativos.

Por muito tempo, a literatura defendeu o modelo de que a língua era dividida em diferentes áreas e que cada sabor era predominantemente reconhecido em áreas específicas. De maneira simplificada, os estímulos doce, amargo, azedo, salgado e umami – as cinco modalidades básicas de sabor – seriam reconhecidos por diferentes células que expressam receptores especializados. A codificação periférica poderia depender dos sinais independentes das cinco modalidades de sabor para transformar a qualidade do estímulo em sinais neurais.

Hoje em dia, acredita-se na visão alternativa a esse modelo, onde a responsividade às cinco modalidades básicas de sabor está presente em todas as áreas da língua. Dessa forma, essas células receptoras de sabor (CRS) expressam diferentes famílias de receptores de sabor, e o reconhecimento do estímulo resultaria na decodificação da atividade combinada de várias classes, sintonizadas de forma ampla.

Dados moleculares e funcionais recentes revelaram que, ao contrário da crença popular, não há um ‘mapa’ da língua: a responsividade às cinco modalidades básicas – amargo, azedo, doce, salgado e umami – está presente em todas as áreas da língua (Chandrashekar et al., 2006).

Apesar das CRS estarem localizadas em regiões discretas da boca, o sabor é percebido como vindo de toda a cavidade oral. Isso acontece porque o estímulo tátil na superfície da língua, que ocorre simultaneamente ao do sabor, pode capturar o gosto. Isso foi demonstrado em uma pesquisa em que os participantes relatavam a intensidade de um sabor à medida em que um flaconete saborizado era encostado na língua, atravessando regiões com alta e baixa densidade de CRS. Inicialmente, nas regiões com menos receptores, o sabor era percebido como fraco. Conforme o sabor era depositado nas regiões com mais CRS, o sabor era percebido como mais forte. Quando retornava às regiões com baixa densidade, o sabor forte permanecia, indicando que a sensação de gosto pode viajar com o toque.

A influência do olfato

Já foi sugerido que até 80% do sabor dos alimentos provêm do nariz, e isso pode ser reforçado pela perda de paladar que ocorre durante um resfriado, por exemplo. Os receptores olfativos fornecem sinais críticos que definem os sabores como apreciados pelo indivíduo. Isso ocorre porque os voláteis que surgem dos alimentos entram na cavidade nasal, ligam-se aos receptores olfativos e são referidos à boca. A isso dá-se o nome de olfação retronasal, mecanismo que dá a identidade aos sabores.

Pesquisadores observaram o efeito do olfato no sabor ao oferecerem um frasco contendo aroma doce para voluntários cheirarem: um contendo aroma doce e outro contendo benzaldeído. Quando os participantes fizeram o teste segurando uma solução de sacarina em suas bocas, o cheiro doce foi percebido como significativamente mais intenso em relação ao teste utilizando água na boca. Esses resultados evidenciam a influência do olfato na percepção do sabor.

O papel da visão

Menos influente do que o olfato, a visão também tem a capacidade de modificar a percepção de sabor, fato que é muito levado em consideração para a apresentação visual de receitas, pratos e produtos alimentícios. Exemplos do papel da visão no sabor foram demonstrados por experimentos feitos com alimentos coloridos de forma inadequada, como, por exemplo bife azul, ervilhas vermelhas ou batatas verdes. Os participantes reclamavam sobre o sabor desagradável dos alimentos e, mesmo estando em perfeito estado de conservação, outros referiam passar mal após a ingestão.

Outro estudo clássico nesse sentido foi realizado para investigar os efeitos da cor na olfação retronasal. Voluntários em formação na área de enologia inicialmente descreveram as características de uma amostra de vinho branco. Em seguida, receberam uma amostra de vinho tinto – que na realidade tratava-se do mesmo vinho branco tingido de roxo – para analisar. Os participantes utilizaram características de vinho tinto para descrever a amostra, mostrando os efeitos da visão na olfação retronasal.

Diferentes sabores manifestam diferentes emoções

Os cinco sabores primários – doce, salgado, azedo, amargo e umami – parecem desencadear diferentes emoções e sensações nos seres humanos. Cientistas buscam compreender melhor a expressão de emoções tão distintas entre si.

Uma pesquisa avaliou a dinâmica temporal dos atributos emocionais e sensoriais durante a degustação de cinco diferentes tipos de chocolate. Sessenta e dois indivíduos avaliaram chocolates amargos puros (70% e 85% cacau) e aromatizados (laranja, blueberry e menta). Os voluntários, à medida em que degustavam os chocolates, respondiam dois questionários – um sobre os atributos sensoriais percebidos e outro sobre os atributos emocionais sentidos – sobre a amostra do alimento que estava sendo consumido no momento.

Como resultados, as respostas diferiram entre os chocolates e também diferiram conforme o tempo de degustação passava. Os chocolates amargos foram descritos com atributos emocionais como “tédio”, “calma”, “agressividade” e, em menor medida, “energia”. Além disso, passada metade do tempo de avaliação, o chocolate 85% cacau induziu a taxas de dominância mais altas em “agressividade”, enquanto o 70% revelou taxas mais elevadas em “felicidade”, “amor” e “inteireza”.

Com relação aos chocolates aromatizados, o atributo dominante foi “interessado”. Após 40% do tempo de avaliação, outros atributos surgiram, como “felicidade”, “energia” e, em menor medida, “calma” e “amor”. Além disso, o chocolate saborizado de menta diferiu dos saborizados de fruta: enquanto o de blueberry teve uma dominância mais alta para “interessado” e o de laranja para “feliz”, o de menta mostrou picos para “energia”, “felicidade” e “calma”.

Ao comparar as curvas entre os chocolates amargos e os aromatizados, observou-se que, para os amargos puros, os atributos emocionais dominantes (tédio, calma, agressividade) representam emoções relacionadas à excitação, enquanto para os aromatizados, os atributos podem ser classificados em agradabilidade (interessado, feliz, amoroso) e excitação (energético).

 

Atributos emocionais para as cinco amostras de chocolate conforme o tempo de análise (Jager et al., 2013).

Gunaratne e colaboradores (2019) realizaram uma pesquisa com o objetivo de identificar relações entre as respostas conscientes e inconscientes de 45 indivíduos ao provar amostras de chocolates diferentes. Chocolates com sal, ácido cítrico, açúcar ou glutamato monossódico foram utilizados, além do chocolate amargo.
Como resultado, o chocolate doce foi inversamente associado à “raiva” (r: -0,95), o salgado positivamente associado à “tristeza”, negativamente associado a “feliz” e o amargo foi negativamente associado à “suavidade” (r: -0,96). Termos de emoção positiva foram associados a amostras doces e gosto em respostas autorrelatadas.
Ainda, o chocolate doce foi associado a termos como “feliz”, “alegre”, “prazeroso”, “carinhoso”, “prazer” e “reconfortante”, enquanto o amargo foi agrupado a termos emocionais como “natural”, “luxuoso”, “relaxado”, “saudável” e “satisfeito”. O umami foi associado a termos como “ativo”, “realização” e “entediado”, enquanto “interessado”, “livre”, “animado” e “um pouco travesso” foram associados ao chocolate salgado. O chocolate azedo foi relacionado a “emocionante”, “compartilhar” e “culpado”.

Expressões faciais como reações aos sabores

A resposta de um indivíduo à estimulação sensorial pode categorizar-se em três tipos possíveis: abordagem/aceitação, rejeição/retirada e neutralidade/indiferença. Se alimentos são oferecidos a sujeitos humanos ou animais, uma dessas três características comportamentais básicas pode ser desbloqueada. Uma das maneiras de medir essas respostas é por meio de expressões faciais.

Ao contrário do que já se acreditou, reações de expressão facial a determinados sabores parecem ser inatas e reflexas, e não adquiridas ao longo da vida. Pesquisas feitas com recém-nascidos dão ênfase a essa possibilidade: estímulos doces, azedos e amargos aplicados intraoralmente a recém-nascidos nas primeiras horas de vida, antes de qualquer contato com qualquer tipo de alimentação, desencadearam expressões faciais diferentes típicas para cada um dos estímulos. A estimulação doce induz ao relaxamento facial e à expressão de prazer, semelhante a um sorriso. Já o azedo leva a um franzir dos lábios e o amargo leva a uma abertura arqueada da boca ou expressões de nojo.

Expressões faciais diferenciais para sabores em neonatos a termo normais, conforme provocado entre o nascimento e a primeira ingestão de alimentos (seja pelo seio materno ou mamadeira). 1, Rosto em repouso (sem estimulação); 2, após a apresentação de água destilada; 3, em resposta à estimulação doce; 4, em resposta à estimulação azeda; 5, em resposta à estimulação amarga (Steiner et al., 1979).

Ainda, o grupo realizou outro experimento com neonatos, onde utilizou a estimulação de aromas aversivos (ovos podres) e agradável (leitoso) para observar as diferentes reações faciais. Verificou-se que o cheiro doce desencadeou respostas de “aceitação, gostar, desfrutar, satisfação”, enquanto o cheiro aversivo desencadeou respostas de “aversão, desgosto e nojo”.

Outro ponto levantado pelos pesquisadores é que, mesmo que a expressão facial de alegria ou tristeza seja um pouco diferente em indivíduos portadores de deficiência visual, ela existe. Tanto naqueles congênitos quanto nos que desenvolveram a deficiência ao longo da vida, a resposta a estímulos de sabor e odor alimentar por meio de expressões faciais é muito semelhante à encontrada em seus pares de mesma idade que enxergam.

Emoções percebidas pelo sistema nervoso

As emoções desencadeadas pelos diferentes estímulos gustativos e olfativos também envolvem alterações a nível de sistema nervoso autônomo (SNA). Parâmetros como a temperatura da pele e a frequência cardíaca, por exemplo, são utilizados em pesquisas
para observar essas emoções.

Um estudo com o objetivo de avaliar a reatividade emocional associada a cada sabor primário por meio da análise das variações dos parâmetros do SNA foi feito com 34 voluntários. Foram utilizados estímulos gustativos com soluções de sacarose (doce), cloreto de sódio (salgado), ácido cítrico (azedo) e sulfato de quinino (amargo). Os parâmetros cutâneos avaliados foram: resistência (RC), potencial (PC), fluxo sanguíneo (FS) e temperatura (TC), além da frequência cardíaca (FC).

Verificou-se que as respostas do SNA foram mais intensas para o sulfato de quinino, especialmente pelos parâmetros eletrodérmicos (duração da resposta = 14 s para sacarose e 79 s para sulfato de quinino) e termovasculares (nenhuma resposta para sacarose, enquanto o sulfato de quinino induziu um aumento de TC e uma diminuição de FS). Ambas as soluções induziram um aumento na frequência cardíaca de +10 bpm para sacarose e +15 bpm para sulfato de quinino.

Houve efeito significativo das cinco soluções nas respostas do SNA para todos os parâmetros registrados: amplitude do RC [F(4,139) = 5,31; P < 0,001], TC [F(4,134) = 4,94; P = 0,001), FS [F(4,127) = 5,98; P < 0,0001] e FC [F(4,139) = 15,24; P < 0,0001). O sabor doce com conotação agradável induziu as respostas eletrodérmicas, termovasculares e cardíacas mais fracas, enquanto os sabores com conotação desagradável (salgado, azedo e principalmente amargo) induziram as respostas mais fortes do SNA. A magnitude da resposta foi três ou quatro vezes maior para o sulfato de quinino do que para a sacarose.

Padrão das respostas do SNA associadas à cada solução de sabor. RC = resistência cutânea; FS = fluxo sanguíneo; FC = frequência cardíaca; TC = temperatura corporal. (Rousmans et al., 2000).

Os pesquisadores destacam que a solução de sacarose não induziu uma resposta eletrodérmica em quase metade dos sujeitos, e elencam duas possíveis hipóteses.
Primeiro, o doce é um sabor familiar e usual apreciado desde cedo nos recém-nascidos.
Seu consumo frequente poderia explicar a falta de ativação simpática, particularmente revelada pela resposta eletrodérmica, que é conhecida por diminuir e até desaparecer com a repetição do mesmo estímulo. A segunda hipótese pode estar relacionada ao prazer sensorial, e, nesse caso, a falta de respostas pode ser interpretada como respostas “extremamente fracas”, o que poderia ser sustentado pelo fato de que os sujeitos sem resposta eletrodérmica classificaram a solução de sacarose como mais agradável do que o controle.

A influência das emoções no consumo alimentar

Assim como os sabores desencadeiam emoções, as emoções podem influenciar na percepção dos sabores e nas escolhas alimentares. Essa relação também é bem conhecida e estudada na literatura científica, de modo que os sentimentos parecem ter relação direta com padrões alimentares, por exemplo. Essa influência se dá por meio da consciência: foi sugerida uma associação metafórica entre emoções e sabor, com a doçura frequentemente relacionada com emoções positivas e a acidez e o amargor com emoções negativas.

Uma pesquisa verificou como a influência do estado emocional interfere na percepção do paladar quando os indivíduos estão conscientes da sua ansiedade. Oitenta e três participantes tiveram suas emoções de relaxamento (como controle) e ansiedade manipuladas, induzidas por diferentes vídeos. Um questionário relacionado ao seu estado emocional (GE) foi respondido por metade da amostra e outro relacionado a si mesmo (NEG) pela outra metade. Depois de induzir emoções e manipular o foco da consciência,
as bebidas foram utilizadas como estímulos gustativos. Metade dos voluntários avaliou
café sem açúcar e a outra metade avaliou café adoçado.

Os cientistas observaram que o vídeo evocava maior excitação na condição de ansiedade do que de relaxamento. Além disso, houve efeito significativo da condição emocional na atividade da amilase salivar, sendo essa maior na condição de ansiedade. Ainda, houve
uma supressão significativa da intensidade de doçura percebida na condição de ansiedade em comparação com a condição de relaxamento, independentemente do foco de consciência, entre os participantes que avaliaram o café adoçado.

Os participantes GE perceberam amargos significativamente mais fortes na condição de ansiedade do que de relaxamento (p<0,05). Além disso, a intensidade da amargura para cada condição emocional foi comparada entre os grupos. Na condição de ansiedade, o grupo GE classificou o estímulo adoçado como significativamente mais amargo do que o grupo NEG (p<0,05), evidenciando que a condição emocional, o estímulo gustativo e sua interação exerceram efeitos significativos na percepção da intensidade da doçura.

Duas hipóteses são levantadas nesse sentido: a primeira é que é necessária uma quantidade de energia significativa para superar situações/emoções negativas. Portanto, a percepção de doçura seria diminuída para aumentar a ingestão energética necessária. Além disso, alterações como o aumento do cortisol, comum em situações de emoções negativas, suprime a intensidade da doçura percebida, promovendo o aumento da ingestão energética.

Esse mesmo estudo também examinou a influência da consciência direcionada às emoções nas avaliações do paladar. Em vez de avaliar estímulos gustativos, mediu-se a avaliação gustativa para estímulos visuais, permitindo avaliar a influência da consciência direcionada à emoção no processamento cognitivo relacionado ao paladar.

Os participantes foram designados para o grupo induzido a emoções positivas antes da avaliação (PBE), o grupo induzido a emoções negativas antes da avaliação (NBE), e o grupo controle. Para avaliar adequadamente as qualidades gustativas, dois tipos de formas abstratas como estímulos visuais foram utilizados: Bouba e Kiki. Em relação à avaliação do sabor desses formatos, os participantes avaliaram a intensidade de dulçor, salgado, acidez, amargor e agradabilidade.

Dois tipos de formas submetidas à avaliação gustativa. O da esquerda é conhecido como Bouba e o da direita como Kiki (Ramachandran & Hubbard, 2001).

Houve efeito significativo da forma em todas as avaliações (p<0,05). Doçura e agradabilidade foram avaliadas significativamente maiores por Bouba do que por Kiki. Por outro lado, salgado, acidez e amargura foram significativamente maiores em Kiki do que
em Bouba. Também houve efeito do foco da consciência na amargura: o grupo controle foi significativamente maior que o PBE em Bouba e o grupo NBE foi significativamente maior que o PBE em Kiki.

De acordo com os pesquisadores, esses resultados indicam que a integração da informação cognitiva no processamento da percepção gustativa pode estar envolvida na amplificação do amargor devido a emoções negativas. Além disso, imagens gustativas únicas poderiam ser percebidas apenas através de pistas visuais. Ou seja, os efeitos intermodais de outras entradas sensoriais na percepção do paladar podem ocorrer como consequência da integração das imagens gustativas no processamento cognitivo da percepção gustativa.

Intensidade e intervalo de confiança de 95% previstos no Experimento 2. Houve diferenças significativas entre os grupos com amargor. ***p <0,001. **p <0,01. *p <0,05. Houve também diferenças significativas entre as classificações de Bouba e Kiki para cada grupo (Zushi et al., 2023).

O papel da serotonina e noradrenalina

Tendo em vista a influência das emoções negativas ou positivas na percepção de sabor, bem como as possíveis explicações para isso, neurotransmissores como a serotonina
(5-HT) e a noradrenalina (NA) também parecem exercer influência. Circunstâncias em que essas estão alteradas, como na ansiedade ou na depressão, estão associadas a distúrbios no paladar, o que indica a importância dessas substâncias na determinação de limiares do paladar na saúde e na doença.

Um estudo teve como objetivo avaliar a plasticidade do sistema gustativo humano, modulando os níveis de 5-HT e NA através de inibidores de recaptação específicos e a possível ligação entre humor, 5-HT e NA e paladar. Vinte adultos sem ansiedade ou depressão receberam amostras de sabor – doce, salgado, azedo ou amargo – colocadas na língua por 5 segundos e foram questionados se conseguiam sentir o estímulo ou não. Inicialmente, foi apresentada uma solução com concentração acima do limiar e, a partir de então, os estímulos foram apresentados em ordem pseudo aleatória em concentrações mais baixas e mais altas. Ao longo de três visitas, as funções psicofísicas do paladar foram determinadas antes e 2 horas após a administração de um inibidor de recaptação específico de 5-HT, de NA ou placebo.

A administração de inibidor de recaptação de 5-HT modulou significativamente (p<0,05)
a percepção do paladar. Houve aumento da sensibilidade aos sabores doce e amargo, reduzindo os limiares de sabor em 27 e 53%, respectivamente.

Efeito do aprimoramento de 5-HT no limiar do paladar. As funções psicofísicas do paladar são mostradas antes (círculos preenchidos e linhas sólidas) e depois (círculos abertos e linhas pontilhadas) do inibidor. Houve aumento significativo na sensibilidade ao sabor doce (A) (p <0,001) e a sensibilidade ao sabor amargo (B) p <0,0001), mas não teve efeito na sensibilidade ao sabor salgado (C) ou azedo (D) (Heath et al., 2006).

Além disso, o aumento do NA reduziu significativamente o limiar do sabor amargo em 39% e do azedo em 22%. Ainda, também foram encontradas correlações positivas significativas (p<0,05) entre as pontuações de níveis de ansiedade e os limiares de sabor amargo e salgado (r: 0,56 e r: 0,46, respectivamente).

Efeito do aprimoramento de NA no limiar do paladar. As funções psicofísicas do paladar são mostradas antes (círculos preenchidos e linhas sólidas) e depois (círculos abertos e linhas pontilhadas) do inibidor. Não houve efeito na sensibilidade ao sabor doce (A), mas houve aumento significativo na sensibilidade ao sabor amargo (B) (p <0,0001). A sensibilidade ao sabor salgado não foi afetada (C), mas a sensibilidade ao sabor azedo foi ligeiramente aumentada (D) (p <0,02) (Heath et al., 2006).

De acordo com os pesquisadores, esses achados explicariam porque o uso de antidepressivos que modulam a função de monoaminas estaria associado à disgeusia, impactando na percepção do paladar nos transtornos afetivos. Ainda, reforçam que muitas células gustativas expressam 5-HT, e captam-na e liberam-na em resposta à estimulação de sabor. A NA e a 5-HT também afetam a excitabilidade das células gustativas.

Mecanismo periférico proposto de modulação serotonérgica do paladar. Após a transdução de um estímulo gustativo (①), as células gustativas liberam ATP (②, círculos abertos). O ATP poderia ativar diretamente aferentes gustativos que expressam purinoceptores ionotrópicos, mas também pode ativar purinoceptores em células pré-sinápticas (trapézio). Isso resulta na liberação de Ca 2+ dos estoques intracelulares nas células pré-sinápticas e na subsequente liberação de 5-HT das células pré-sinápticas (③, círculos preenchidos). É proposto um possível papel adicional do 5-HT. Quando liberado das células pré-sinápticas, o 5-HT também pode atuar de volta através da transmissão de volume nas células gustativas e/ou aferentes gustativos para ativar os receptores 5-HT (④, losango sombreado) e modular a resposta aos saborizantes na célula gustativa. A inibição dos transportadores 5-HT (SET; ⑤, retângulo hachurado) nas células gustativas pela administração de inibidores e o subsequente aumento da sinalização 5-HT poderiam, portanto, melhorar o sabor de substâncias amargas e doces. NA poderia atuar como um transmissor liberado em aferentes gustativos em resposta à estimulação de células pré-sinápticas ou como um modulador da ação do ATP. Círculos abertos, ATP; círculos preenchidos, 5-HT; losango sombreado, receptor 5-HT 1A com ligação 5-HT; retângulo hachurado, SET transportando 5-HT; trapézio, receptor P2Y 2/4 com ligação de ATP (Heath et al., 2006).

Comfort food

O comportamento alimentar humano é afetado por interações entre pistas visuais, sabor
e paladar, além da fome, interações sociais, ambiente e respostas emocionais. Nesse contexto, o termo comfort food vem sendo estudado e difundido. Comfort food, às vezes indicado em português como “comida de conforto”, compreende o alimento que traz alegria, bem-estar, nostalgia, conforto emocional ou até mesmo alívio da dor. Por tratar-se de algo intimamente associado às emoções, os alimentos considerados comfort food são bastante individuais e variáveis de acordo com os indivíduos e populações.

Conforme a literatura, os principais gatilhos que levam as pessoas a buscar os comfort foods, são as emoções negativas ou quando os indivíduos tentam regular suas emoções de alguma forma.

Um exemplo é uma pesquisa realizada com mulheres que comeram chocolate nos estados de humor negativo, positivo e neutro induzidos por trechos de filmes. Observou-se redução do humor negativo ao consumir o chocolate em comparação a beber água, enquanto nenhum efeito foi observado nas situações de humor positivo ou neutro. Entretanto, situações positivas também podem desencadear esse consumo, como comemorações e festas de aniversário, por exemplo.

Independentemente da emoção associada, é comum que os alimentos de conforto sejam, de modo geral, doces ou adocicados. Um estudo feito com 1234 adultos, em sua maioria (80,6%) mulheres, observou que os comfort food mais referidos foram o chocolate e o café, consumidos frequentemente por 48,3 e 45,9% dos entrevistados, respectivamente.

Apesar do estímulo à liberação de substâncias relacionadas ao bem-estar provocado pela glicose, a percepção do sabor doce também induz a sentimentos e emoções positivas, conforme abordado ao longo do texto. Assim sendo, há opções de alimentos considerados reconfortantes e com sabor adocicado que não levam açúcar de adição em sua formulação e, dessa forma, não induzem picos glicêmicos, por exemplo.

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