Mudanças cerebrais
na gestação

Durante o período gestacional, mudanças adaptativas acontecem para que o organismo seja apto a manter e promover a gravidez, além de preparar a mulher para o parto e puerpério. O eixo hipotálamo-hipófise-ovário e, posteriormente, a placenta, são os principais responsáveis por essas mudanças, de modo que há aumento de 10 a 15 vezes na concentração de progesterona em relação à fase lútea e a quantidade de estrogênio é maior do que a exposição de estrogênio de toda a vida não grávida de uma mulher.

Uma vez que hormônios sexuais são conhecidos por atuarem como reguladores da morfologia neuronal, não é surpreendente que haja alterações estruturais e funcionais no cérebro durante a gestação.

Veja abaixo um compilado de estudos sobre o tema e entenda como isso acontece.

Mudanças neurológicas da gravidez

A fim de investigar essas alterações cerebrais, pesquisadores recrutaram 25 mães primíparas e 20 mulheres controle nulíparas para um estudo prospectivo de neuroimagem antes e depois da gravidez. Na sessão Pré, escaneamentos cerebrais foram feitos nas mulheres sem filhos que desejavam tornar-se mães e, caso engravidassem, elas participariam novamente de uma sessão de ressonância magnética após o término da gravidez, na sessão Pós. Ainda, dados longitudinais foram coletados em um intervalo de tempo comparável das voluntárias do grupo controle.

Redução da substância cinzenta

Um padrão simétrico de diferenças significativas entre os dois grupos quanto às mudanças no volume da substância cinzenta (SC) foi observado entre as sessões Pré e Pós, revelando diminuição no volume da SC após a gravidez, especialmente nos córtex pré-frontal e temporal. Houve forte consistência dessas mudanças volumétricas entre as participantes, de modo que todas elas puderam ser corretamente classificadas como tendo ou não passado pela gravidez entre as sessões de ressonância magnética, com base nas mudanças observadas.

Reduções no volume da SC (p<0,05) no grupo de mulheres que estavam grávidas entre as sessões (Hoekzema et al., 2016).

Ao contrário da substância cinzenta, a substância branca parece aumentar não linearmente em áreas que processam as emoções e a visão conforme a gestação avança, retornando aos níveis basais no pós-parto. De acordo com estudos, há relação estatisticamente significativa entre esse aumento e o aumento dos níveis de estrogênio e progesterona. Essas mudanças refletem uma maior especialização do cérebro, favorecendo a regulação emocional e a tomada de decisão em relação ao bebê, conforme explicado abaixo.

Especialização da rede neural

As regiões afetadas na gravidez desempenham papel crucial em processos sociais, assemelhando-se à teoria da mente, que trata-se da habilidade de compreender e interpretar os estados mentais de outras pessoas. Além disso, foi verificado que várias regiões que mostraram maior atividade neural em resposta aos bebês das mulheres correspondiam a regiões que perderam volume de SC durante a gravidez.

Resultados de fMRI para o contraste ‘próprio bebê > outro bebê’ (N = 20), juntamente com as alterações no volume de substância cinzenta. Para fins ilustrativos, os resultados de fMRI são representados com um limiar mais permissivo de p<0,0001 não corrigido. Não houve resultados estatisticamente significativos para o contraste de imagens ‘outro bebê > próprio bebê’ em nenhum dos limiares (Hoekzema et al., 2016).

Dessa forma, especula-se que o cérebro feminino passa por uma maior maturação ou especialização da rede neural que serve à cognição social durante a gravidez. Há indícios
de um processamento facilitado de informações sociais em mulheres grávidas, incluindo reconhecimento aprimorado de emoções e de rostos. Essa adaptação seria de grande importância para a mãe conseguir interpretar com precisão os estados e processos mentais do seu bebê, aumentando o vínculo e as funções cognitivas e sociais da criança.

Esse processo de desenvolvimento cerebral que elimina conexões neuronais inúteis e fortalece as mais utilizadas é conhecido como poda neural, conforme evidenciado por uma pesquisa que verificou redução do volume do estriado ventral do cérebro (VStr) de gestantes. Entretanto, maior atividade dessa área foi percebida, o que indica maior especialização neuronal e capacidade da mulher de responder ao máximo às dicas
de seu bebê.

Gráficos de barras representando o volume VStr corrigido por TBV (M ± SEM) para cada uma das três sessões. TVB = volume cerebral total (Hoekzema et al., 2020).

A região do estriado ventral está associada ao sistema de recompensa, e estudos que simularam a gestação em animais demonstraram aumentar a frequência de pressão na barra para estímulos relacionados aos filhotes e induzir uma preferência por animais jovens em vez de comida. A dopamina é liberada no VStr em animais maternos como resposta a sinais relacionados ao filhote, sendo importante para a motivação maternal e expressão dos comportamentos de cuidado.

Em mulheres, também já foi demonstrado que essa estrutura responde aos sinais do bebê. Assim, a gravidez envolve mudanças no valor hedônico associado aos filhotes e representa um período sensível para preparar o circuito de recompensa para responder de forma ideal aos sinais da prole.

Redução do hipotálamo

Regiões do hipotálamo são conhecidas por sofrer adaptações relacionadas à reprodução, que desencadeiam o início e a expressão de comportamentos maternos em animais. Esses comportamentos envolvem a evitação de filhotes, a qualidade da construção do ninho e a recuperação dos filhotes.

Nesse sentido, pesquisadores recrutaram 50 mulheres que foram examinadas antes e depois da gravidez e 57 mulheres controle nulíparas examinadas sob um intervalo de tempo semelhante para avaliar o impacto da gestação e puerpério no hipotálamo.

Em comparação às mulheres controles nulíparas, observou-se que a maternidade está associada a modificações no volume em regiões do hipotálamo (ântero-superior, tuberal superior e posterior). Além disso, os níveis médios de estradiol durante o segundo trimestre mostraram uma associação negativa com as alterações de volume no hipotálamo posterior e total, indicando que uma redução de volume aumentada nessas regiões foi associada a níveis mais altos de estradiol durante o segundo trimestre.

Níveis-hormonais-durante-a-gravidez

Estradiol dividido pelos níveis de creatina calculados em média durante o segundo trimestre (n = 22) (Spalek et al., 2024).

Interação mãe-bebê

Nesse mesmo estudo, constatou-se que a pontuação do Inventário de Apego Pré-natal (PAI) e da Escala de Apego Pós-natal Materno (MAAS) associaram-se negativamente com essas mudanças no hipotálamo, indicando que reduções de volume mais fortes em algumas estruturas hipotalâmicas estão relacionadas a maior apego materno-fetal.

interacao-mae-bebe

Correlações entre alterações significativas nas sub-regiões hipotalâmicas e no comportamento materno e níveis hormonais durante a gravidez. A alteração volumétrica das sub-regiões hipotalâmicas é dada em mm³. Apego materno-fetal (A): pontuação total do Prenatal Attachment Inventory (PAI). Comportamento materno pós-natal (B): pontuação total do Postpartum Bonding Questionnaire (PBQ). R = coeficiente de correlação de Pearson ou Spearman, ** Estatisticamente significativo, com base na abordagem de Bonferroni ajustada à correlação para pontuações totais de questionários ou medidas hormonais (Spalek et al., 2024).

De acordo com uma revisão de literatura, as mudanças no volume da SC também já mostraram associação à qualidade da ligação mãe-bebê e à ausência de hostilidade com o recém-nascido no pós-parto. Observou-se que a resposta neural das mães às pistas visuais de seus bebês correspondia a várias regiões que perderam volume de substância cinzenta durante a gravidez, sugerindo uma especialização adaptativa do cérebro, sobretudo das estruturas cerebrais sociais.

Há evidências de que a neurobiologia da maternidade continua a mudar no pós-parto, de acordo com dados coletados 1 mês após mulheres darem à luz. Parece que, à medida que a criança cresce, a mãe mostra maior atividade em resposta a sinais gerais do bebê em regiões ligadas ao cuidado, mais especificamente na amígdala e no córtex orbitofrontal, implicados na vigilância parental e na avaliação de expressões emocionais.

Além disso, dar à luz a um bebê prematuro que necessita de cuidados intensivos neonatais mostra uma maior atividade em áreas que atendem à regulação emocional e à cognição social (giro frontal inferior, giro supramarginal e ínsula). Isso sugere que a neurobiologia da maternidade é dinâmica em relação à passagem do tempo e às circunstâncias ambientais, facilitando uma adaptação sensível às necessidades dos bebês.

Pós-parto tardio

Onze mulheres foram reavaliadas cerca de dois anos após o parto e compararam-se as alterações cerebrais no Pré-gestação com o Pós-gestação e o 2 anos Pós-gestação. Observou-se que as reduções na SC se mantiveram em quase todas as áreas, sugerindo que, exceto por uma recuperação parcial no volume hipocampal, todas as reduções persistiram por pelo menos 2 anos após o nascimento.

Gráfico (média ± erro padrão da média) e sobreposição sagital mostrando a recuperação do hipocampo da sessão Pós para a sessão Pós +2 anos (Hoekzema et al., 2016).

Resultados similares foram encontrados em um estudo feito com 25 mulheres primíparas e 22 nulíparas que foram avaliadas antes da concepção, nos primeiros meses pós-parto e seis anos pós-parto. A maioria das reduções do volume de SC induzidas pela gestação persistiram seis anos após o parto, o que abre a possibilidade de que a maioria das mudanças cerebrais da gravidez sejam permanentes. Há evidências de que, além do papel hormonal, o cuidado diário com o bebê reforce a manutenção dessas mudanças neurológicas, de modo que o comprometimento materno de longo prazo força as mulheres a permanecerem continuamente alertas para as necessidades dos bebês e a se envolverem em estratégias multitarefas para cuidar deles.

Memória de grávida

Alterações de memória durante a gravidez e o pós-parto são comumente relatadas pelas mulheres, sendo o aumento do esquecimento uma preocupação real. Esse fato já vem sendo estudado há algumas décadas e, de acordo com uma metanálise, a memória de recordação livre e a memória de trabalho são afetadas durante essa fase da vida. As causas atribuídas pelos autores já envolviam mudanças hormonais, alterações nos neurotransmissores, entre outras.

Agora, com a evidência mais sólida no que diz respeito às mudanças cerebrais, acredita-se que as reduções da substância cinzenta no hipocampo e a recuperação parcial da massa hipocampal 2 anos após o parto contribuem, de acordo com estudos, para esses déficits de memória que costumam se recuperar gradativamente após o parto.

IMPORTANTE

Este material é de apoio técnico para prescritores e é proibida a sua divulgação para consumidores, nos termos do item 5.14 da RDC 67/2007.

Conteúdos relacionados

BARBA-MÜLLER, Erika et al. Brain plasticity in pregnancy and the postpartum period: links to maternal caregiving and mental health. Archives Of Women’S Mental Health, v. 22, n. 2, p. 289-299, 2018.

DUARTE-GUTERMAN, Paula; LEUNER, Benedetta; GALEA, Liisa A.M.. The long and short term effects of motherhood on the brain. Frontiers In Neuroendocrinology, v. 53, 2019.

HENRY, Julie D.; RENDELL, Peter G.. A review of the impact of pregnancy on memory function. Journal Of Clinical And Experimental Neuropsychology, v. 29, n. 8, p. 793-803, 2007.

HOEKZEMA, Elseline et al. Becoming a mother entails anatomical changes in the ventral striatum of the human brain that facilitate its responsiveness to offspring cues. Psychoneuroendocrinology, v. 112, 2020.

HOEKZEMA, Elseline et al. Pregnancy leads to long-lasting changes in human brain structure. Nature Neuroscience, v. 20, n. 2, p. 287-296, 2016.

LUDERS, Eileen et al. Potential Brain Age Reversal after Pregnancy: younger brains at 4-6 weeks postpartum. Neuroscience, v. 386, p. 309-314, 2018.

LUDERS, Eileen; KURTH, Florian; POROMAA, Inger Sundström. The neuroanatomy of pregnancy and postpartum. Neuroimage, v. 263, 2022.

MARTÍNEZ-GARCÍA, Magdalena et al. Do Pregnancy-Induced Brain Changes Reverse? The Brain of a Mother Six Years after Parturition. Brain Sciences, v. 11, n. 2, p. 168, 2021.

NEHLS, Susanne et al. Time-sensitive changes in the maternal brain and their influence on mother-child attachment. Translational Psychiatry, v. 14, n. 1, 2024.

PRITSCHET, Laura et al. Neuroanatomical changes observed over the course of a human pregnancy. Nature Neuroscience, v. 27, n. 11, p. 2253-2260, 2024.

SPALEK, Klara et al. Pregnancy renders anatomical changes in hypothalamic substructures of the human brain that relate to aspects of maternal behavior. Psychoneuroendocrinology, v. 164, 2024.