Beta-glucana, imunidade e saúde respiratória
Beta-glucanos são polissacarídeos biologicamente ativos, considerados fibras alimentares solúveis. Podem ser encontrados em cereais, como cevada e aveia, em alguns fungos, bactérias, algas e em leveduras – a conhecida “beta-glucana de levedura”. A depender da
sua fonte, suas propriedades estruturais, biodisponibilidade e efeitos biológicos variam.
Por atuarem como fibras, os β-glucanos chegam intactos ao intestino e diminuem as taxas de absorção de carboidratos e lipídios. Também podem se ligar aos ácidos biliares e acelerar a sua excreção fecal.
Ainda, exercem função imunomoduladora, estimulando a produção de células de defesa, protegendo contra infecções e diminuindo a inflamação. Confira abaixo alguns estudos que investigaram o papel deste nutriente em infecções do trato respiratório e entenda os mecanismos de ação envolvidos.
Crianças
Asma
Com o objetivo de avaliar os efeitos do pleuran (β-glucano isolado de Pleurotus ostreatus) no controle da asma e na morbidade respiratória em crianças em tratamento convencional para asma, pesquisadores realizaram um ensaio clínico multicêntrico (República Tcheca, Eslováquia e Polônia), duplo-cego e controlado com placebo. Crianças (n=206) entre 7 e 17 anos receberam 100mg pleuran + 100mg vitamina C, ou placebo (apenas 100mg vitamina C) diariamente durante 24 semanas – com mais 24 semanas de acompanhamento posterior.

Dados de 206 pacientes foram incluídos na análise (113 pacientes no grupo ativo e 93 pacientes no grupo placebo) (Jesenak et al., 2025).
Após o período de tratamento, crianças com menos de 12 anos que receberam o suplemento obtiveram melhorias no controle da asma (definida como um aumento na pontuação no Teste de Controle de Asma de 3 ou mais, uma taxa reduzida de visitas de emergência, uma taxa reduzida de cursos de corticosteroides orais ou uma redução no uso de broncodilatadores de curta duração no mês anterior) em comparação ao placebo (21,8 ± 3,5 vs. 20,3 ± 4,0; P = 0,02). Após 48 semanas, melhora no controle da asma foi observada em 84,7% das crianças do grupo experimental, em comparação a 67% no grupo placebo (P = 0,01).

Alterações no controle da asma (avaliado pelas pontuações C-ACT/ACT) em toda a população do estudo e subgrupos etários. ** P = 0,01 (Jesenak et al., 2025).
Crianças acima de 12 anos que foram suplementadas com a fibra relataram menos infecções do trato respiratório (ITRs) do que as que receberam placebo (0,7 ± 1,0 vs. 1,9 ± 1,7; P = 0,002).

Número de infecções do trato respiratório (ITR) em subgrupos de acordo com a idade durante o tratamento e o período do estudo. † P = 0,002, ‡ P = 0,003 (Jesenak et al., 2025).
Com base nos resultados, observa-se que o suplemento contribuiu para o controle da asma e para a diminuição da exacerbação da condição em crianças menores de 12 anos, diminuiu o número de ITRs em crianças maiores de 12 anos e diminuiu o número médio de exacerbações da asma em todas as crianças do grupo experimental após o fim do acompanhamento.
Alergia
Um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo com crianças acometidas frequentemente por ITRs foi realizado para verificar o potencial antialérgico do pleuran. A suplementação foi administrada por 6 meses com xarope de beta-glucana (10mg de pleuran e 10mg de vitamina C por ml) ou de placebo (10mg de vitamina C por ml).
Em comparação ao grupo placebo, o tratamento com pleuran reduziu significativamente a eosinofilia sanguínea e estabilizou os níveis de IgE total no soro, sendo o efeito mais evidente em crianças alérgicas – que costumam apresentar mais ITRs e de forma mais severa.
A IgE total está associada ao risco de desenvolvimento de asma e outras alergias, enquanto a eosinofilia está associada à inflamação das vias aéreas em crianças asmáticas. Os autores concluem que o suplemento demonstrou efeito potencial supressor em marcadores de inflamação alérgica, principalmente em indivíduos atópicos.
Adultos
Resfriado
Adultos saudáveis (n=162) com infecções recorrentes receberam beta-glucana de levedura (900mg) ou placebo (maltodextrina 900mg) diariamente por 16 semanas em um ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Cada episódio de resfriado comum foi registrado pelos participantes, que também classificaram dez sintomas pré definidos, resultando em uma pontuação de sintomas.
Os indivíduos que receberam o suplemento tiveram redução de 25% no número de infecções sintomáticas por resfriado comum em comparação ao placebo (P = 0,041), com pontuação média 15% menor (p>0,05). Também houve redução na dificuldade de sono causadas por episódios de resfriado (P = 0,028). A eficácia do beta-glucano de levedura foi avaliada como melhor do que a do placebo tanto pelos médicos (p = 0,004) quanto pelos participantes (p = 0,012).

Número de infecções por resfriado comum durante uma suplementação de beta-glucana de levedura ou placebo de 16 semanas de acordo com o ITT e o conjunto PP, os valores são média ± DP. ITT = população com intenção de tratar; PP = análise por protocolo (Auinger et al., 2023).
Também houve número menor de participantes com pelo menos um episódio grave (>10 pontos na pontuação total de sintomas) no grupo ativo (17,6%) em comparação ao placebo (31,1%) (P = 0,028).
Esses resultados são similares aos de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo com adultos acometidos por pelo menos três ITRs no ano anterior, que observou menor gravidade dos sintomas nos primeiros dias da ITR entre aqueles que receberam beta-glucana de levedura, além de aumento significativo da sub pontuação de alegria do Questionário de Estresse Percebido. Inesperadamente, também houve redução significativa da pressão arterial sistólica, que os autores elencaram como possível consequência do aumento da IL-10 e seus efeitos anti-inflamatórios.
Modulação imunológica
Efeitos imunomodulatórios do beta glucano derivado do fungo Ganoderma lucidum foram observados em um ensaio clínico randomizado com adultos que receberam Reishi β-glucan (200mg) ou placebo (dextrose 200mg) durante 84 dias. Aumento significativo em várias populações de células imunes, como linfócitos T CD3+, CD4+, CD8+, além de melhora na razão CD4/CD8 e na contagem e na citotoxicidade das células natural killer foram observadas, em comparação ao grupo placebo.

Alterações percentuais no resultado primário entre as medições iniciais e pós-intervenção (após a 12ª semana) (Chen et al., 2023).
Em conclusão, a suplementação de beta-glucana de Reishi parece modular eficazmente o sistema imunológico, ativando respostas imunes inatas e adaptativas.
Mecanismo de ação
A resposta imune inata a patógenos depende do reconhecimento dos padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs) pelos receptores de reconhecimento de padrões (PRR), presentes em muitas células imunológicas. Os beta-glucanos são considerados PAMPs para a detecção mediada por PRR. Um dos principais PRR para beta-glucanos é a dectina-1, mas outros receptores como toll-like (TLR) e receptor de complemento 3 (CR2) também desempenham papeis importantes.
Estudos in vitro mostram que a ligação do beta-glucano à dectina-1 ativa células apresentadoras de antígeno como macrófagos e células dendríticas, além de induzir a uma cascata de resposta imune e adaptativa, resultando na erradicação do patógeno.
Outros mecanismos potenciais envolvidos nos efeitos dos beta-glucanos na imunidade parecem incluir a expressão diminuída da molécula de adesão intercelular 1 (ICAM-1) – substância envolvida na migração de células inflamatórias, a modulação da imunidade celular, a indução da imunidade treinada e seus efeitos moduladores no microambiente de citocinas.
De acordo com as evidências, a suplementação de beta-glucanos de diferentes fontes apresenta importantes efeitos imunomodulatórios e, no contexto de infecções do trato respiratório, parecem diminuir a incidência, exacerbação e gravidade dos sintomas.
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