A relação entre o relógio
biológico e a nutrição

Como se sabe, o equilíbrio no funcionamento do relógio biológico pode impulsionar o atingimento dos objetivos traçados nos tratamentos. Mas em que medida isso acontece? Como os ritmos biológicos podem influenciar a alimentação e vice-versa? Que ferramentas podem ser utilizadas para a sincronização circadiana? Que ganhos de saúde podem ser obtidos? Confira neste texto.

O relógio biológico humano

O relógio biológico humano

Nos mamíferos existe um relógio biológico central, o núcleo supraquiasmático, que é regulado principalmente pela presença ou ausência de luz, mas também por fatores como nutrição, padrões de sono e exercícios. A partir dessas informações, o núcleo supraquiasmático controla a estimulação da secreção de melatonina pela glândula pineal. Assim sinaliza ao organismo qual é a função fisiológica que ele deve ter no momento. Em condição de equilíbrio do relógio biológico, durante o dia há uma prevalência de:

Já durante a noite há um incremento no:

Segundo a cronobiologia, que é o estudo do relógio biológico, o relógio biológico central também sincroniza os relógios periféricos, que se encontram em órgãos como o fígado, o rim, o coração, o pulmão, o tecido adiposo, o pâncreas, o intestino e o músculo.

As alterações trazidas pela vida moderna, como os estímulos noturnos, a abundância na oferta de alimentos e um maior sedentarismo, afetam o funcionamento natural dos ritmos biológicos. Essas variações, indicam estudos, podem aumentar a chance de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2, arteriosclerose, obesidade, dislipidemia e esteatose.

Relação entre relógio
biológico e apetite

Estudos mostram que o relógio periférico do tecido adiposo controla oscilações circadianas de leptina, glicose, triglicerídeos, ácidos graxos livres e colesterol LDL no plasma. A leptina, especificamente, é um dos reguladores das sensações de fome e saciedade. Ela apresenta níveis elevados no plasma sanguíneo à noite, quando o apetite diminui, favorecendo a fase de jejum e descanso. Sua menor concentração ao longo do dia favorece a sensação de fome. Por isso, a restrição do sono, e seu impacto no relógio biológico, podem afetar os níveis de leptina, contribuindo para o aumento do apetite.

Outro hormônio envolvido na estimulação do apetite é a grelina. Sua concentração no plasma também é maior durante as primeiras fases da noite de sono, decrescendo de manhã antes do acordar. Estudos in vitro mostraram que ela também pode alterar a “função relógio” dos núcleos supraquiasmáticos. Como sua concentração também varia com a alimentação, ela tem potencial para ser considerada como um hormônio sincronizador relacionado com alimentos.

Variações do sono
e controle de peso

A qualidade do sono tem um papel fundamental na sincronização dos ritmos biológicos. Distúrbios de sono estão relacionados ao aumento dos níveis de cortisol à noite e à diminuição dos níveis de leptina e da tolerância à glicose. Também há associação com alterações nas concentrações da insulina e o desenvolvimento de diabetes tipo 2 e obesidade.

Alguns estudos têm mostrado relação entre um sono inferior a 7 horas e um menor consumo de vegetais, uma alimentação rica em gordura, consumo frequente de fast-food e a uma tendência para deixar de comer em horas convencionais e substituir refeições por snacks.

Recomenda-se que se restabeleça a higiene do sono. Para isso, deve-se estimular a criação de uma rotina de sono. Esta é considerada a principal aliada para quem busca boas noites de descanso. Seguir horários regulares para dormir e acordar protege a qualidade do sono, torna mais fácil e rápido adormecer e garante que se tenha a quantidade de sono necessária.

A atividade física também é uma importante prática para melhorar o sono, pois atua na redução de fatores que o prejudicam, como doenças, sobrepeso, inflamação crônica e mal-estar psicológico. O exercício apenas não é recomendado antes de dormir, devendo ser mantido um intervalo de quatro horas. Confira mais dicas para dormir melhor.

Estímulo à melatonina

Estímulo à melatonina

De acordo com a cronobiologia, a melatonina é o principal marcador do ritmo circadiano. Além de atuar no sono, tem funções como antioxidante, oncostática, anti-envelhecimento e imunomoduladora. Ela também está relacionada à regulação do peso corporal. Isso se deve ao estímulo à secreção e à ação da insulina, que desvia para o tecido adiposo a energia ingerida por via alimentar.

Os níveis de melatonina começam a aumentar ao início da noite, atingindo os valores máximos entre as 2 e as 4 horas da manhã. A partir daí, decrescem e são mínimos durante o dia.

Via de produção da melatonina

Há a participação também, como cofatores, das vitaminas B3 e B6 e do magnésio. Assim, alguns trabalhos defendem um aumento na ingestão desses nutrientes específicos como forma de melhorar a qualidade do sono.

No entanto, a deficiência dessas vitaminas e minerais são muito raras nos países ocidentais. Dessa forma, os autores de uma revisão sobre essa matéria defendem que a adoção de um estilo de vida saudável e a manutenção de um peso adequado (por via alimentar) têm tanto efeito nos níveis de melatonina como escolhas nutricionais específicas. Sendo assim, é recomendado o consumo frequente de alimentos ricos nos cofatores, em vez de nutrientes isolados.

Principais fontes:

Triptofano: banana, aveia, algumas oleaginosas e cacau;
Vitaminas e minerais cofatores: peixes, amêndoas, levedura nutricional, cereais integrais,
banana, abacate, vegetais de folhas escuras e semente de abóbora.

Número de refeições
e controle de peso

Alguns estudos defendem que um maior número de refeições pode ser protetor contra o sobrepeso ou obesidade, enquanto outros afirmam que é um fator que estimula o aumento do peso. Existem ainda os que concluem que não há associação entre o número diário de refeições e o peso corporal.

Pesquisas mais recentes, no entanto, sugerem que o mais importante é a regularidade das refeições e dos seus intervalos e não especificamente a sua frequência. Estudos mostram que um padrão irregular de refeições pode ter efeitos negativos na sensibilidade à insulina, nos lípidos plasmáticos e no balanço energético, constituindo um fator de risco cardiovascular. Por outro lado, um padrão regular previne flutuações nas concentrações de glicose e insulina no plasma, evitando a sensação de fome.

Importância do
café da manhã

Já o benefício do consumo rotineiro do café da manhã é mais consensual entre os pesquisadores. Entre os ganhos encontrados estão:

  • menor risco de desenvolver sobrepeso ou obesidade em crianças;
  • menos gordura corporal, melhor performance cardiorrespiratória e menor risco
    cardiovascular em adolescentes;
  • redução da fome no resto do dia em mulheres jovens;
  • IMC mais baixo e menor risco de desenvolver diabetes tipo 2 em homens adultos.

Os estudos ainda não são conclusivos quanto aos nutrientes mais adequados para essa refeição, mas mostram vantagens quando há inclusão de carboidratos complexos, fibras e proteínas.

Como vimos, a irregularidade no funcionamento do relógio biológico afeta significativamente a saúde e a qualidade de vida. Há, no entanto, ações que podem ser tomadas a partir das evidências atuais sobre a regulação do ciclo circadiano. No campo nutricional, é possível recomendar:

  • A ingestão diária de café da manhã;
  • A maior abundância alimentar no início do dia e menor no final;
  • A criação de um padrão regular de frequência de refeições e intervalos.

Além disso, pode-se estimular a prática regular de atividade física em horários distantes do momento de dormir e a adoção de medidas que melhorem a qualidade do sono.

Este material é de apoio técnico para prescritores e é proibida a sua divulgação para consumidores, no termos do item 5.14 da RDC 67/2007.