Alopecia e deficiências nutricionais
A perda de cabelo, ou alopecia, é dividida em dois grupos: cicatriciais, que podem progredir para perda de folículos e perda capilar irreversível; e não cicatricial, em que há preservação folicular, com alteração das fases do ciclo capilar e é reversível. No caso desta última, problemas emocionais, deficiências nutricionais, imunidade e outros distúrbios metabólicos, além da genética, podem ser fatores etiológicos.
Quatro fases compõem o ciclo de crescimento do cabelo:
- Anágena: fase de crescimento, é mais longa e dura entre 2 e 7 anos;
- Catágena: fase de transição, durando até 2 semanas, e inclui a involução do folículo piloso devido à apoptose;
- Telógena: fase de repouso, com duração de até 12 semanas;
- Exógena: fase de liberação do cabelo telógeno.

Esquema representativo das fases do ciclo de crescimento capilar. Adaptado de shutterstock.com
O fato de a alopecia ser afetada por diversos fatores determina a existência de uma variedade de tipos de alopecia.
Tipos de Alopecias
Déficits nutricionais
Deficiências nutricionais são consistentemente associadas com queda capilar,
e há evidências de melhora dos sintomas ou até mesmo reversão do quadro após a normalização dos níveis de determinados nutrientes. As vitaminas A e o complexo B,
por exemplo, já são conhecidas pelos seus papeis na saúde capilar, assim como o zinco
e o selênio.
Entretanto, há outros nutrientes que parecem desempenhar funções importantes no ciclo capilar de acordo com a literatura, como proteínas, ferro e vitamina D. Confira abaixo:
Proteínas
Uma pesquisa buscou compreender a associação entre uma dieta com baixo teor proteico e a saúde da pele e do cabelo. Noventa e oito indivíduos (>15 anos) com queixas capilares ou cutâneas participaram da pesquisa e a maioria (91,83%) ingeria <50g/dia de proteínas, ou seja, uma quantidade menor do que a ingestão recomendada. Boa parte (68,36%) apresentava deficiência grave (<30g/dia).
Com relação às desordens capilares, 90% dos participantes com AAG apresentavam deficiência de proteína, sendo que 55% deles tinham deficiência grave. Ainda, a maior parte (90,9%) das participantes com calvície de padrão feminino (FBP) e 75% dos pacientes com ET também apresentavam deficiência grave.

Biópsias de pele do couro cabeludo do grupo com baixa ingestão proteica mostraram:
- epiderme e derme mais grossas;
- fibras de colágeno frouxamente posicionadas;
- menor número de fibras de colágeno;
- fibroblastos volumosos;
- infiltrados inflamatórios crônicos perifoliculares;
- fibrose perifolicular.
Os pesquisadores defendem que, como o cabelo é inteiramente composto por proteína, pode-se levantar a hipótese de que a fibrose e a destruição do folículo piloso podem ser
uma “decisão consciente” de auto destruição do corpo para preservar proteínas para tecidos ativos e vitais, como os músculos. Esse fenômeno é sugerido como a “hipótese de auto destruição seletiva consciente e não renovação” para manter estruturas e funções mais importantes do organismo. Desse modo, é ressaltada a importância do consumo adequado desse macronutriente para garantir, além das funções vitais, a saúde capilar.
Ferro
A deficiência de ferro (DF) é a deficiência nutricional mais comum, e pode ser vista como um continuum: depleção de ferro, eritropoese deficiente por ferro (EDF) e anemia por deficiência de ferro (ADF). Esse nutriente é essencial em células de rápida proliferação, como as da matriz do folículo piloso, além de ser um cofator para a enzima limitante da síntese de DNA (ribonucleotídeo redutase). Além disso, há evidências de que vários genes do folículo piloso são regulados pelo ferro.
Apesar de a DF ser comum em mulheres com perda de cabelo, a literatura carece de ensaios clínicos que avaliem os efeitos da suplementação de ferro em condições capilares.
Existem relatos de casos de resolução completa da queda de cabelo após a normalização dos níveis do nutriente. Porém, a maioria dos estudos concentra-se em dados transversais ou retrospectivos, mas os resultados reforçam a importância da triagem dos níveis de ferro em indivíduos considerados em risco e que apresentam queda de cabelo.
Nesse sentido, uma pesquisa retrospectiva com mulheres que apresentavam queda de cabelo investigou as causas etiológicas da alopecia androgenética (AAG). As deficiências nutricionais foram responsáveis por 83,9% dos casos de AAG, e a deficiência de ferro foi responsável por 70,3% deles. A duração da doença foi um fator prognóstico importante para a melhora da ferritina sérica. Pacientes com melhora subjetiva do crescimento capilar também apresentaram maior aumento nos níveis de ferritina após a suplementação de ferro.



Associação da “diferença da ferritina sérica” com a “duração da queda de cabelo” e a “melhora subjetiva”. A definição de “diferença da ferritina sérica” é a diferença entre o valor da ferritina sérica detectado no último acompanhamento após a suplementação de ferro e o valor da ferritina sérica detectado antes da suplementação de ferro. (a) Quanto menor a duração, particularmente <6 meses (fase aguda), maior a melhora nos níveis de ferritina sérica após a suplementação de ferro. (b) No entanto, os níveis de ferritina sérica em alguns pacientes com duração >2 anos ainda puderam ser corrigidos após a suplementação de ferro. (c) Pacientes com melhora subjetiva após tomar suplementos de ferro apresentaram diferenças maiores na ferritina. Portanto, a diferença nos níveis de ferritina sérica pode predizer melhoras subjetivas subsequentes (Lin et al., 2023).
Um estudo com mulheres que apresentavam ET crônico ou queda de cabelo com padrão feminino (FPHL) verificou que os níveis de ferritina sérica naquelas com ET (14,7 ± 22,1μg/l) e FPHL (23,9 ± 38,5μg/l) foram significativamente menores do que naquelas sem doenças capilares (43,5 ± 20,4μg/l). Ao se comparar os níveis de ferritina conforme a gravidade da queda de cabelo, observou-se que os menores níveis estavam presentes nos casos graves, tanto em ET (média 7,9 ± 5,4μg/l) quanto em FPHL (média 9,7 ± 9,9μg/l), enquanto nos casos leves, as médias foram de 22,9 e 55,8μg/l, respectivamente.
L-lisina
A L-lisina, um aminoácido essencial, parece atuar na absorção de ferro. Isso foi sugerido em um estudo com mulheres com ET crônica em que houve redução significativa no percentual de fios na fase telógena após 6 meses de tratamento com suplementação de ferro e L-lisina, representando redução média de 39% na queda de cabelo em comparação ao início do estudo. Além disso, houve aumento significativo na ferritina sérica média.
Vitamina D
Estudos em animais verificaram que a vitamina D tem efeito no ciclo capilar, e a alopecia ocorreu em camundongos sem o receptor de vitamina D (VDR). Ao se ligar ao VDR,
o nutriente modula o crescimento e a diferenciação dos queratinócitos, inclusive os
do folículo piloso.
Uma pesquisa transversal comparou os níveis de vitamina D entre indivíduos com e sem alopecia areata (AA). Níveis significativamente menores da substância foram encontrados naqueles com AA (17,86 ± DP:5,83ng/mL) em comparação aos controles (30,65 ± DP: 6,21ng/mL) (p =0,0001). O nível de vitamina D também mostrou uma correlação inversa significativa com a gravidade da doença (p =0,001).

Correlações entre os parâmetros estudados (Gade et al., 2018).
Por fim, foi identificado um estado inflamatório sistêmico nos pacientes com AA (medido pelo valor de PCR ultrassensível) e a deficiência de vitamina D na AA mostrou correlação negativa significativa na inflamação sistêmica. Os autores pontuam que os achados mostraram correlação significativa com a gravidade da doença e a duração dos sintomas, revelando uma tendência linear.
Esses resultados estão de acordo com uma metanálise de estudos observacionais sobre a prevalência de deficiência de vitamina D na alopecia areata verificou que os níveis de 25(OH)D nos indivíduos com a condição foi significativamente menor do que nos controles (-8,52ng/dL; IC95%: -5,50 a -11,53).
Além disso, eles também tinham maior probabilidade de deficiência de vitamina D (OR: 3,89; prevalência média: 73,8%). Os autores sugerem que os níveis de vitamina D devem ser investigados em pacientes com AA, mesmo que não tenha sido encontrada uma correlação clara entre seus níveis e a extensão da queda de cabelo.
Os possíveis mecanismos de ação envolvem a atividade imunomoduladora e anti inflamatória da vitamina D. Logo, em casos de deficiência, haveria aumento de citocinas pró-inflamatórias, culminando em inflamação sistêmica e em condições autoimunes do folículo piloso.
Queda capilar e emagrecimento rápido
Dietas restritivas com baixa caloria podem interferir no ciclo capilar e levar a queda de cabelo. Uma metanálise que avaliou 18 estudos sobre perda de cabelo após cirurgia bariátrica constatou que essa intercorrência ocorre em 57% dos casos, acomete mais mulheres jovens e tende a diminuir com períodos de acompanhamento mais longos. Nutrientes como zinco, ácido fólico e ferritina foram associados à queda de cabelo pós-cirúrgica.
A menor ingestão alimentar associada à diminuição na absorção de nutrientes é elencada como o principal fator desencadeante da queda de cabelo nesses casos. Além disso, a diminuição do peso corporal faz com que mais cabelo entre na fase de repouso. Ao final dessa fase, pode ocorrer grande queda de cabelo, geralmente de 3 a 6 meses após a cirurgia.
Um fenômeno similar ocorre em casos de uso de análogos de GLP-1 – as canetas emagrecedoras. A queda capilar é elencada como um efeito colateral do tratamento, causada pela diminuição da ingestão de nutrientes, potencializada por possíveis casos de má absorção e pela rápida perda de peso. Por isso, cientistas reforçam a importância de monitorar ativamente os pacientes, a fim de evitar, minimizar e reverter esses e outros efeitos indesejados do medicamento que podem refletir na saúde, qualidade de vida e adesão ao tratamento.
- Para saber mais sobre a importância da Nutrição antes, durante e depois do uso de análogos de GLP-1, acesse o site do GLP-1 Support Nutrition, a iniciativa do Essentia Group que fornece informações para prescritores e pacientes baseadas em evidências científicas.
IMPORTANTE
Este material é de apoio técnico para prescritores e é proibida a sua divulgação para consumidores, nos termos do item 5.14 da RDC 67/2007.
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