Vitaminas para energia e combate à inflamação
Sabe-se de longa data que os níveis ideais de vitaminas do complexo B contribuem para o bom desempenho mental e físico. Porém, o conhecimento sobre os processos influenciados por essas vitaminas não para de crescer e se consolidar, reforçando seu papel estrutural na saúde do organismo.
Metabolismo energético, metilação, função imunológica e síntese e reparo do DNA. Esses são alguns dos processos que têm a participação das vitaminas do complexo B. Embora eles tenham papéis diferentes no organismo, esses processos estão intimamente inter-relacionados e se complementam, influenciando na saúde e no bem-estar geral. A deficiência de vitaminas do complexo B tem sido associada a distúrbios neurocognitivos, disfunção mitocondrial, disfunção imunológica e condições inflamatórias.
E, como os mamíferos não são capazes de sintetizar as vitaminas B por conta própria, eles devem garantir a ingestão das quantidades suficientes pela dieta. Em especial, pacientes com má absorção intestinal, como os pacientes com cirurgia prévia para obesidade, dietas restritivas, como vegetarianos/veganos, e pessoas que apresentam risco aumentado para deficiência das vitaminas do complexo B, como idosos, pacientes com má absorção intestinal como os pacientes com cirurgia prévia para obesidade, dietas restritivas como vegetarianos/veganos e pessoas submetidas a intenso estresse oxidativo.
Confira neste texto uma atualização sobre a importância da manutenção de bons níveis das vitaminas do complexo B para a promoção da saúde integral.
Principais funções das vitaminas do complexo B
A família das vitaminas B inclui tiamina (vitamina B1), riboflavina (vitamina B2), niacina (vitamina B3), ácido pantotênico (vitamina B5), piridoxina (vitamina B6), biotina (vitamina B7), folato (vitamina B9) e cobalamina (vitamina B12).
Os principais processos fisiológicos regulados pelas vitaminas do complexo B incluem o metabolismo de carboidratos para produção de energia (vitaminas B1, B2, B3, B6 e B7), o metabolismo de aminoácidos, a síntese de proteínas (vitaminas B1, B3, B5, B6, B7 e folato), a síntese de neurotransmissores (vitaminas B1, B3, B5 e B6), o metabolismo de ácidos graxos e lipídios, a síntese de colesterol e esteroides (vitaminas B1, B2, B3, B5) e a síntese de metionina, S-adenosil metionina e bases nucleotídicas para a produção de DNA e RNA (vitamina B12 e folato).
Metabolismo celular e geração de energia
Com exceção do folato, todas as vitaminas do complexo B estão envolvidas em ao menos uma etapa do sistema de produção de energia dentro da célula, a respiração celular. Uma deficiência em qualquer uma delas limita a taxa de produção de energia, com possibilidade de consequências metabólicas e de saúde potencialmente graves.
De particular relevância nesse cenário, as formas ativas de tiamina, riboflavina, niacina e ácido pantotênico são coenzimas essenciais na respiração aeróbica mitocondrial e na produção de energia celular por meio dos seus papéis diretos no ciclo do ácido cítrico, na cadeia de transporte de elétrons e na formação resultante de trifosfato de adenosina (ATP), a moeda energética da célula. A molécula de Acetil-CoA (incorporando ácido pantotênico) fornece o substrato principal para esse ciclo.
Além disso, a tiamina e a biotina/vitamina B12 desempenham papéis únicos e essenciais no metabolismo mitocondrial da glicose e dos ácidos graxos e aminoácidos, respectivamente, contribuindo assim com substratos para o ciclo do ácido cítrico. Veja na figura abaixo, uma representação do metabolismo energético celular.
Metabolismo energético celular: Os macronutrientes são oxidados (parte A) em acetil-CoA através de várias vias, incluindo glicólise, que produz piruvato a partir da glicose, as vitaminas B1, B2, B3, B5 e C estão envolvidas na síntese de acetil-CoA que entra no ciclo do ácido cítrico (parte B) e gera energia como NADH e FADH2 através de uma série de oxidações que envolvem as vitaminas B1, B2, B3, B5, B6, B8 e B12 assim como o ferro e o magnésio. Finalmente, os elétrons de NADH e FADH2 são transferidos para a cadeia de transporte de elétrons (parte C), onde eles fornecem energia usada para gerar moléculas de ATP; essa etapa precisa da entrada de vitaminas B2, B3, B5 e de ferro.
Percepção dos níveis de energia
Com o objetivo de avaliar o efeito de altas doses de complexo B, um estudo duplo-cego e controlado por placebo, comparou a suplementação entre 215 participantes saudáveis durante 33 dias. Ao final da intervenção, foram observados uma redução na percepção de estresse e um aumento significativo no vigor físico autorreferido, conforme avaliação através da Escala de Estresse Percebido (PSS, na sigla em inglês) e do Perfil dos Estados de Humor (POMS, na sigla em inglês) respectivamente.
Além desses resultados, um aumento significativo e sustentado na resistência física pela manhã e à noite foi autorrelatado por 198 homens que receberam o mesmo suplemento por 28 dias. Os participantes receberam uma vez ao dia placebo ou o multivitamínico/mineral com a seguinte composição: vitaminas B1 (15 mg), B2 (15 mg), B6 (10 mg), B12 (10 µg), C (500 mg), biotina (150 µg), ácido fólico (400 µg), nicotinamida (50 mg), ácido pantotênico (23 mg) e minerais cálcio (100 mg), magnésio (100 mg) e zinco (10 mg).
Os participantes completaram duas tarefas cognitivas e uma série de escalas visuais analógicas (VAS) antes e após um dia inteiro de trabalho a cada 7 dias.
Legenda: Pontuações da escala Bond-Lader ‘Alert’ antes do trabalho (painel superior) e após um dia inteiro de trabalho (painel inferior) 7, 14, 21 e 28 dias após o início do tratamento com vitaminas/minerais e placebo. Houve uma interação significativa (p < 0,05) entre tratamento, avaliação pré/pós-trabalho e dia. (*, p < 0,05).
Legenda: Pontuações da escala visual analógica mostrando as medidas que geraram um efeito significativo (p < 0,05) do tratamento principal (resistência física) ou tratamento x interação pré/pós-trabalho (resistência mental) nos dias de teste após o início do tratamento com vitaminas/minerais ou placebo.
Sistema nervoso e o complexo B
O cérebro é, de longe, o órgão metabolicamente mais ativo do corpo. Representando apenas 2% do peso corporal, ele responde por mais de 20% do gasto total de energia do organismo. Como exemplo, a concentração de metiltetrahidrofolato (a principal forma circulante de folato) no cérebro é quatro vezes maior que a observada no plasma, enquanto a biotina e o ácido pantotênico se encontram no cérebro em concentrações de até 50 vezes superiores às observadas no plasma.
Algumas das vitaminas do complexo B também possuem funções neuroespecíficas. Comumente chamadas de “neurotrópicas”, elas desempenham papéis essenciais tanto no sistema nervoso central (SNC) como no sistema nervoso periférico (PNS). É bem conhecido que a dieta e, portanto, o suprimento de nutrientes afetam fortemente o funcionamento normal do SNC e PNS. Em particular, as vitaminas B1, B6 e B12 são essenciais para manter a saúde do sistema nervoso.
A vitamina B1 atua como um antioxidante local, além de ser um cofator no metabolismo da glicose, auxiliando indiretamente na síntese de ácidos nucléicos, neurotransmissores e mielina, fornecendo energia para esses processos. Já a vitamina B6 é vital para a síntese de neurotransmissores necessários para a transmissão sináptica (dopamina, serotonina, GABA) e possui um papel neuroprotetor inibindo a liberação de glutamato neurotóxico. A vitamina B12, por outro lado, promove amplamente a sobrevivência das células nervosas e está diretamente envolvida na remielinização e na manutenção das bainhas de mielina.
A importância das vitaminas do complexo B no contexto da função nervosa é destacada pelas inúmeras doenças neurológicas, como encefalopatia de Wernicke, depressão, beribéri, convulsões, degeneração progressiva da medula espinhal ou neuropatia periférica (NP), relacionadas à deficiência em uma ou mais dessas vitaminas B neurotrópicas.
Influência na metilação
As vitaminas do complexo B desempenham um papel fundamental nas reações de metilação e descarboxilação necessárias para a integridade e síntese de DNA, proteínas, fosfolipídios, monoaminas e neurotransmissores. Além disso, a vitamina B regula a resposta imune diminuindo a produção de citocinas pró-inflamatórias, NF-κB e fator de crescimento nervoso. Ademais, as vitaminas B, particularmente ácido fólico (B9), piridoxina (B6) e cobalamina (B12), estão envolvidas na remetilação e metabolismo da homocisteína.
A homocisteína é um produto do ciclo da metilação e tem sido associada à atrofia cerebral, estresse oxidativo, dano ao DNA, aumento da apoptose, excitotoxicidade e neurodegeneração. A metilação é o mecanismo pelo qual o corpo lida com estresse, toxinas e infecções. A via de metilação lida com o equilíbrio de neurotransmissores e desintoxicação de processos no corpo e controla a inflamação. As reações de metilação estão envolvidas em quase todas as reações químicas realizadas no corpo.
A baixa eficiência das reações de metilação dentro do corpo pode resultar em condições de saúde e doenças, incluindo distúrbios neurológicos, como ansiedade, depressão, transtorno bipolar, DA, fibromialgia, defeitos do tubo neural, esquizofrenia e distúrbios do sono.
A homocisteína atua como um marcador sensível de deficiências de vitamina B. Baixos níveis de vitaminas B1, B2, B6, B9 e B12 resultam em níveis elevados de homocisteína. Dados de estudos observacionais sugerem uma ligação entre hiperhomocisteinemia e aumento do risco de distúrbios cognitivos, como a demência de Alzheimer, demência vascular e declínio cognitivo.
Ciclos interligados do folato e da metionina. O folato dietético entra no ciclo do folato e passa por várias modificações enzimáticas, que geram as unidades de um carbono necessárias para a síntese de DNA/RNA e os grupos metil necessários para regenerar a metionina a partir da homocisteína. O “ciclo da metionina” fornece os grupos metil necessários para todas as reações de metilação genômica e não genômica na forma de S-adenosil metionina (SAM).
Manutenção da função cerebral
Revisão sistemática publicada em 2019 com 28 estudos prospectivos de coorte e 28.257 participantes demonstrou uma relação linear de dose-resposta entre a concentração de homocisteína no sangue e o risco de demência do tipo Alzheimer. Cada aumento de 5 mmol/L na homocisteína no sangue foi linearmente associado a um aumento de 15% no risco relativo de demência do tipo Alzheimer.
Em recente estudo publicado em Journal of Prevention of Alzheimer’s Disease, descobriu-se que o uso do ácido fólico juntamente com a vitamina B12 melhorou o desempenho cognitivo e diminuiu os níveis de homocisteína e marcadores inflamatórios em pacientes com diagnóstico clínico de Doença de Alzheimer.
O estudo randomizado incluiu 101 pacientes com diagnóstico clínico de Doença de Alzheimer em 2 grupos que receberam a suplementação com ácido fólico (1.2mg/dia) e vitamina B12 (50 mcg/dia) ou o tratamento placebo durante 6 meses. Ao final do estudo houve melhora dos escores MoCA e ADAS-Cog utilizados para avaliar a função cognitiva assim como redução dos níveis de homocisteína e de S-adenosilhomocisteína, metabólitos inversamente relacionados ao potencial de metilação celular. Ainda foi observada a redução sérica do marcador inflamatório: TNFalfa (fator de necrose tumoral).
Estudo realizado na Universidade de Oxford, também evidenciou o papel da homocisteína e das vitaminas do complexo B associadas ao declínio cognitivo e à atrofia cerebral. O estudo randomizado controlado por placebo mostrou que o tratamento com altas doses de vitamina B (ácido fólico 0,8 mg, vitamina B6 20 mg, vitamina B12 0,5 mg) diminuiu o encolhimento de todo o volume cerebral ao longo de 2 anos em idosos com risco aumentado de demência (comprometimento cognitivo leve de acordo com os critérios de Petersen de 2004). O tratamento com vitamina B reduziu, em até sete vezes, a atrofia cerebral nas regiões de substância cinzenta (GM, na sigla em inglês) mais vulneráveis ao processo de DA, incluindo o lobo temporal medial. No grupo placebo, níveis mais elevados de homocisteína foram associados com atrofia GM mais rápida e o efeito benéfico das vitaminas B foi limitado aos participantes com altos níveis de homocisteína (acima de 11 μmol/L).
As regiões do cérebro em verde demonstram onde o tratamento com vitamina B reduz significativamente a perda de GM em participantes com altos níveis de homocisteína (>11,06 μmol/L) na linha de base.
Influência no humor
Devido ao seu papel no metabolismo de um carbono, as vitaminas do complexo B atuam como cofatores na síntese e regulação de neurotransmissores dopaminérgicos e serotoninérgicos. Ambos os neurotransmissores estão implicados na regulação do humor, bem como na depressão clínica e na ansiedade. Está comprovado que bons níveis de vitamina B têm potencial para gerar benefícios para a saúde e o humor do cérebro. Por outro lado, as deficiências de alguns desses micronutrientes, como B12 ou folato, estão associadas a um maior risco e incidência de depressão.
Em revisão sistemática publicada em International Psychogeriatrics, pesquisadores constataram que o uso de vitaminas a curto prazo (de alguns dias a algumas semanas) não contribui para melhorar os sintomas depressivos em adultos com depressão maior, tratados com antidepressivos. Porém, um consumo mais prolongado (várias semanas a anos) pode diminuir o risco de recaída e o aparecimento de sintomas clinicamente significativos em pessoas em risco.
Outra revisão sistemática, publicada em Nutrients, mostrou evidência de benefício com a suplementação do complexo B em populações saudáveis e em risco na redução de sintomas de estresse.
Grupos de risco para carência de vitamina B
Há uma série de causas potenciais de deficiência de vitamina B. Entre elas, estão ingestão inadequada, necessidades aumentadas, má absorção, interações com medicamentos, distúrbios genéticos e condições médicas. Além disso, o próprio processo de envelhecimento pode afetar negativamente a absorção, o transporte e o metabolismo das vitaminas do complexo B. Como resultado, as pessoas mais velhas têm necessidades aumentadas.
Alguns medicamentos, como inibidores da bomba de prótons (IBP) e antagonistas dos receptores H2 (H2RA, na sigla em inglês) resultam em supressão do ácido gástrico, que imita gastrite atrófica e leva à má absorção ligada a alimentos. Há evidências que sugerem que esses medicamentos foram associados a um risco até 4,5 vezes maior de deficiência de vitamina B12 em estudos de caso-controle.
Recentemente, nos EUA, uma grande pesquisa comunitária (25.956 casos e 184.199 controles) descobriu que o uso prolongado (> 2 anos) de H2RAs e IBPs foi associado a um risco 25% a 65% maior de diagnóstico subsequente de deficiência de vitamina B12.
Além disso, o uso de metformina no tratamento de diabetes tipo 2 também pode resultar em deficiência de vitamina B12, possivelmente interferindo na ação da membrana dependente de cálcio no íleo terminal, necessária para a absorção do complexo vitamina B12-fator intrínseco.
Dado que o duodeno, jejuno e íleo estão envolvidos na absorção da vitamina B, a cirurgia bariátrica também aparece como uma causa potencial e crescente de deficiência de vitaminas do complexo B, visto que poderia induzir má absorção intestinal através do desvio do trânsito intestinal e/ou redução da ingesta alimentar. A prevalência de deficiências de vitamina B após a cirurgia bariátrica varia de acordo com o tipo da técnica cirúrgica realizada.
Em pacientes com bypass gástrico em Y de Roux, que é a técnica de cirurgia bariátrica mais comumente realizada, foram relatadas deficiências de vitaminas B1, B2, B6, B12 e folato, com taxas de prevalência que podem variar muito, dependendo do tempo decorrido após o procedimento e a adesão do paciente à terapia de suplemento multivitamínico.
Notavelmente, as complicações neurológicas da cirurgia bariátrica, que podem envolver tanto o sistema nervoso central quanto o periférico, são devidas principalmente à deficiência de vitamina B e têm uma incidência global estimada de até 16% ao ano.
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