Soluções para o carboidrato
intratreino

O tipo de carboidrato, a forma e o volume administrados ao atleta de esportes de endurance fazem toda a diferença no bem estar e na extração do melhor desempenho possível. Algumas escolhas auxiliam inclusive na recuperação. Pensando nisso, fizemos uma seleção de estudos que analisaram a nutrição intratreino, com dicas para as principais questões.

Quer ir além da recomendação geral de ingestão de carboidrato à razão de 60g por hora? Siga no texto.

O efeito do carboidrato

São variados os mecanismos que explicam o aumento do desempenho em longas atividades causado pelo carboidrato. Entre eles está a estimulação dos receptores de carboidrato ainda na cavidade oral, que podem modular a disposição do organismo e reduzir a taxa de esforço percebido.

Essa teoria já foi validada por diversas pesquisas que demonstraram que o desempenho de ciclistas na modalidade contrarrelógio de 1h foi melhorado com o simples bochecho com uma solução de carboidrato em intervalos regulares.

Há, no entanto, outros mecanismos mais efetivos. Estudo publicado em Journal of Applied Physiology analisou a relação entre a taxa de ingestão de glicose, seleção de combustível e desempenho de 20 ciclistas amadores treinados. Os atletas realizaram um passeio de duas horas, com carga constante, seguido de um contrarrelógio de 20km, recebendo doses de 15, 30 ou 60 gramas de glicose por hora. Todas inferiores ou igual ao máximo comumente recomendado para evitar desconforto gastrointestinal (60 g/h).

O estudo confirmou um aumento na oxidação total de carboidrato, puxado por um ganho na oxidação exógena. Ao mesmo tempo, houve redução na oxidação de gordura e carboidrato endógeno, de maneira dose-dependente.

Segundo os pesquisadores, a redução na oxidação do carboidrato endógeno foi inteiramente devida a uma inibição progressiva da glicose liberada pelo fígado, provavelmente relacionada à maior concentração plasmática de insulina. Não foi encontrada, no entanto, qualquer evidência de economia de glicogênio muscular.

Limites da oxidação exógena

Estudos que usaram isótopos estáveis ou radioativos para quantificar a oxidação exógena de carboidrato durante o exercício encontraram taxas de oxidação máximas de 1g/min. Mesmo quando o carboidrato foi ingerido em altas taxas (até 3,0 g/min), as taxas de oxidação não excederam 1 g/min. Na maioria desses estudos o carboidrato utilizado foi a glicose ou polímero de glicose.

Pesquisas que compararam as taxas de oxidação exógena de vários tipos de carboidrato durante o exercício indicam que a maltose, a sacarose, o polímero de glicose e a maltodextrina apresentam taxas bastante semelhantes à da glicose ingerida. Já a frutose e a galactose apresentaram taxas significativamente mais baixas, com redução de 25% e 50%, respectivamente.

Esse efeito pode estar ligado à menor taxa de absorção da frutose e ao fato de que tanto a frutose quanto a galactose precisam ser convertidas em glicose no fígado antes de serem oxidadas.

Potencializando a oxidação exógena

Em estudo realizado na Inglaterra, pesquisadores testaram as taxas de oxidação exógena de diferentes combinações de carboidratos. Os participantes, atletas com idade média de 27 anos, foram divididos em grupos, que ingeriram:

  • Bebida com 8,7% de glicose (Med-Glu);

  • Bebida com 13,1% de glicose (High-Glu);

  • Bebida isoenergética com glicose e frutose, na proporção de 2:1 (Fru+Glu);

  • Água pura (Água).

Como resultado, os atletas que ingeriram a combinação de glicose e frutose foram os que apresentaram menores classificações de esforço percebido após 5h de exercício de intensidade moderada. Esses também foram mais capazes de manter a cadência no final do período.

Esse desempenho pode ser explicado por taxas de oxidação exógena do carboidrato mais altas que as observadas nos demais grupos. Com a combinação de carboidratos, os atletas registraram oxidação de até 1,26g/min.

Legenda:
Fru+Glu (frutose e glucose); Med-Glu (média concentração de glucose); High-Glu (alta concentração de glucose); Ox-Glu (oxidação exógena de glucose na mistura Fru+Glu); Ox-Fru (oxidação exógena de frutose na mistura Fru+Glu).

Como o transporte intestinal de glicose ocorre por meio de um transportador dependente de sódio (SGLT1), é provável que esse fique saturado a uma taxa de ingestão de glicose de 1g/min, o que poderia explicar por que taxas mais altas de ingestão de glicose não resultam em taxas de oxidação superiores a 1,0-1,1g/min. Por outro lado, a frutose é absorvida no intestino pelo GLUT-5, um transportador independente de sódio. Acredita-se que, quando uma mistura de glicose e frutose é ingerida, haja menos competição pela absorção em comparação com a ingestão de uma quantidade isoenergética de glicose (ou frutose), e isso pode aumentar a disponibilidade de carboidrato na corrente sanguínea para oxidação.

Dosagem recomendada

A possibilidade de promover oxidação exógena superior a 1g/min amplia as opções de suplementação de carboidratos durante atividades prolongadas. Confira abaixo recomendações de ingestão de carboidratos para atletas bem treinados. Atletas iniciantes podem precisar ajustar estas indicações para baixo.

Dicas de suplementação intratreino

Estima-se que até 90% dos atletas de endurance já tenham experimentado episódios de transtornos gastrointestinais relacionados com o exercício físico. Essa é uma das causas mais comuns de mau desempenho em provas de endurance, pois podem, no limite, levar à desistência do atleta. Confira algumas dicas de gestão de carboidratos para esses atletas:

  • Bebidas e soluções com elevada concentração de carboidratos podem ser um risco para o desenvolvimento de desconfortos gastrointestinais. Assim, recomenda-se teste prévio e cautela na prescrição de bebidas com concentração superior a 8g de carboidrato por 100ml;

  • Assim como nas bebidas desportivas, é recomendada a escolha de um gel isotônico, pois a maioria dos géis necessita de uma ingestão adicional de água de forma a obter-se uma solução isotônica;

  • A elevada ingestão de frutose aumenta o risco de desconfortos gastrointestinais, já que ela se acumula no lúmen intestinal, impulsionando o fluxo de água. Já quando combinada com glicose e outros açúcares, ela não apresenta o mesmo risco.

Além dos carboidratos, gorduras, fibras, leite e quadros de desidratação também são fontes de desconfortos intestinais em atletas de endurance e merecem atenção na composição da dieta intratreino.

Nutrição pré e pós-atividades longas

Como as demandas por nutrientes podem ser extremamente altas, é importante planejar também o pré e o pós-treino de atletas que praticam esportes de endurance. Por isso, selecionamos uma série de estudos e preparamos um especial sobre nutrição para atletas de triathlon. São dicas e informações que podem também ser ajustadas para uso por competidores de outras modalidades de endurance. Confira no post Dicas de nutrição para provas de endurance.

Smith JW, Zachwieja JJ, Péronnet F, Passe DH, Massicotte D, Lavoie C, Pascoe DD. Fuel selection and cycling endurance performance with ingestion of [13C]glucose: evidence for a carbohydrate dose response. J Appl Physiol (1985). 2010 Jun;108(6):1520-9. doi: 10.1152/japplphysiol.91394.2008. Epub 2010 Mar 18. PMID: 20299609.

Jentjens RL, Moseley L, Waring RH, Harding LK, Jeukendrup AE. Oxidation of combined ingestion of glucose and fructose during exercise. J Appl Physiol (1985). 2004 Apr;96(4):1277-84. doi: 10.1152/japplphysiol.00974. 2003. Epub 2003 Dec 2. PMID: 14657042.

Jeukendrup A. A step towards personalized sports nutrition: carbohydrate intake during exercise. Sports Med. 2014 May;44 Suppl 1(Suppl 1):S25-33. doi: 10.1007/s40279-014-0148-z. PMID: 24791914; PMCID: PMC4008807.

Jeukendrup AE. Carbohydrate and exercise performance: the role of multiple transportable carbohydrates. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2010 Jul;13(4):452-7. doi: 10.1097/MCO.0b013e328339de9f. PMID: 20574242.

Currell K, Jeukendrup AE. Superior endurance performance with ingestion of multiple transportable carbohydrates. Med Sci Sports Exerc. 2008 Feb;40(2):275-81. doi: 10.1249/mss.0b013e31815adf19. PMID: 18202575.